quinta-feira, 27 de janeiro de 2011

MEUS PÉS LÍRICOS

CAMINHAM SOBRE A PONTE 

DO MEU RIO ONÍRICO.
Você marca o território, mas não ocupa.
Saiba que as terras do latifúndio que me pertence
são férteis demais para desperdiçar.
Terra roxa, de sobrar fruto.
Lá não tem monocultura que a deserte.
Talvez não aguentes semear, regar, esperar as colheitas,
suportar as intempéries e entresafras.
Então ao menos respeite minha topografia.

quarta-feira, 26 de janeiro de 2011

palavrão

tuas palavras
escritas
faladas

releio
reouço
sem fim
dentro de mim

um terreiro eterno
de cânticos
conhecidos

um mantra
hipnótico

organiza
um estar-no-mundo
no barulho
desse silêncio

agricultores celestiais

a felicidade me pegou no colo
me jogou num barco contigo

numa cantiga de maré
cantamos até o paraíso

nadadores, banhistas, amantes, passantes
encharcaram nossas águas vagas
sem nenhuma pressa de amanhecer
pois uma cobertura de estrelas
tivemos de plantar noites inteiras

depois da colheita o corpo exalou
uma luz verde exausta
porém quente
e eterna
e terna

sábado, 22 de janeiro de 2011

casa

cada vez mais longe
cada vez menos coisa consigo carregas
coisas minhas, coisas atadas em nós

cada coisa que vai
perde-se em meio a outras -
novas e velhas coisas

cada coisa que fica
fica como saudade de coisa
coisa tua
de tu,
sua coisa!

sexta-feira, 14 de janeiro de 2011

para quem 
a gente conta o medo? 
ele tem contagem?
uma ponte sem margens
flutua sobre um mar 
que cobre um mundo circular

engendra-se assim 
a ponte sem começo nem fim

quinta-feira, 13 de janeiro de 2011

fonte da juventude

já sei,
me sinto
com você
uma velhinha
daqui trinta anos

não precisamos falar
nem belezar
só queremos ladar
e olhar

(beleza junto é mais mais belo que beleza só)

Guichê

- paga-se pelo excesso de bagagem -

são sacolas
bolsas
mochilas
naftalinas

afundam
o cume dos ombros
comem
o couro das costas

penduram
pertences
fuligens

necessárias
se para o ano que vem
transportadas?

pesam os destinos
nos assentos dos corações marcados
de um aeroporto interditado
por um dilúvio do pó dos séculos
acumulados no ano último

(isso é o que dá
ler Bandeira
no banco de espera
do fim do ano
de uma prateleira)

vestimenta

tu és um soneto clássico
dentro de um terno roto

rimas alinhadas,
mas golas roídas,
os ritmos perfeitos,
e as solas furadas
(gastas pelas lutas
palavradas)

Vou vestir mais leve
tuas palavras poídas.
Vou livrar a forca
de tuas gravatas
até deixar-te nu,
sem palavras

para só assim
te afagar
no pouso dos ombros
nas caligrafias dos lábios -
esses sim
já calados e pelados,
assim tão esperados.

segunda-feira, 10 de janeiro de 2011

não quero nenhuma brincadeira
sobre meu jeito de falar ou de ser
nenhum comentário
sobre minhas saias ou meus cabelos.
é tão difícil de entender
que só posso ser inteira
mesmo sendo no seu ônibus
só mais uma passageira?
Nas dobras do tempo
e sobras de relógio - 

folhei uns sebos
colhi uns pães
cantei uns pássaros
medi uns matos
pensei uns amigos

Distraí de mim,
enquanto um rio vital 
me transpassou

um rio que conhece 
delicadeza de margem
e paz de paisagem.

sexta-feira, 7 de janeiro de 2011

poema primário

não prometo que aguento a tua espera
mas prometo dedicação a tua presença

não prometo ser sua em toda tua ausência
mas prometo toda entrega em tua presença

fique o tempo que precisar do lado de lá
só não sei como passam as vidas do lado de cá

vá e aproveite o primor de minha generosidade
só não espere que aqui se dura uma eternidade

não me onere com pedidos
e continue sem promessas.
as desculpas são só suas
sobre sua falta de pressa.

só não sei o quanto dura a água da minha tigela
sei que o amor é uma fonte do tipo que um dia seca.