segunda-feira, 24 de outubro de 2016

escuro-e-ser

solitária noite
adentra muros interiores
cega o olho urbano de fumaça
retorna pontes atravessando o vazio

espelha-me em mim
a solitude presença das ausências

esburaca o asfalto
de poucas ruas e carros
madruga o ar parado

lampejos de sono com insônia
chopin me emociona

não posso mais noite escura
o avesso do meu dia é tua grande boca vazia

vadio, de dentro da camisola antiga
divago sobre a morada da lua
a cortina do sol
se a nuvem flutua

viúva de todas as mortes
enegrece o exagero de luz
ofusca meu ver demais
me cansa por andarilhar atrás

já fui criança
teu negro hoje
me faz crescer a sós
e só

petit mort

tua língua já canta hora extra na vagina
tuas unhas ainda se enfiam nos cabelos
teu pau sonha com minha ordenha

tá osso
já tá pele e osso esse roçar

tua pele lixa meu corpo maltrapilho

tardou esse meter sem trepar
tardou de acabar

jogar as cinzas para debaixo dos lábios e glandes
teus pelos que se entalem no desejo

e assim morremos antes

limpo-te poro a poro
tuas sobras, salivas
tua porra toda
da minha puta existência




domingo, 9 de outubro de 2016

Começa-me um dia.
Tempo é anacrônico.
Piam pássaros pentatônicos.
Ideias brotam sintônicas.

Janela abre-se obtusa.
Por onde se vão os equívocos
entram brisas distintas.

Posso me esvaziar.

Puro fluido me toma os poros.

Desobstruídos,
podem então inundar.

quarta-feira, 7 de setembro de 2016

ssshhhhh

luzes
abajur
sombram

corpos
afogados
rasgados
pedaços
inteiros
aos pés
deitados

cheiro
palavra
palavrões
pulmões

vulva
aos litros
coração
velocímetros

calças vazias
mãos chulas

peitos saúdam seios
bundas duram tempo
quadris molengos
suspiro

púbis doída
sacro louco

imagem epitelial
mapa sensorial
pescoço gemente
dentes entre gente

ereções
vastidão
ofegam gozo
entopem sêmen

carótida vibra
contração
expulsão

língua nua
olhos poucos
nuca farta
enfartas

costas
tantas
pelos
à boca
aberta
oca

orelhas
arrepio
vadios
quente
mas frio

coxas
balançam
e danças
e cama
e chão
e manchas

alma
franja
têmpora

tanta sede
transa
e encontra
gosto
na gente

domingo, 4 de setembro de 2016

eu amo

eu amo o amar do meu amor.

é um metaamor ter esse amor como meta.

e a cacofonia amorosa é a cacafonice intrínseca do amor.

o resto é amor amador. 

segunda-feira, 15 de agosto de 2016

Nessa cidade Hora da Saudade
rios amorfos cortam seivas secas
Banham de lembranças
fins da tarde vazios de vento

Rochas encharcadas por milênios
esperam leitos molhados
Águas paradas se movem
entre entranhas de peixes-jovens

Quando se molham meninos
grudam-se roupas nas coxas
O abocanhar da noite
com luas mínguas 
Sorriem línguas com saudade do futuro-ontem,
passado-homem.

quarta-feira, 13 de abril de 2016

a felicidade marcada no meu plano genético
encaixa os pares do meu cariótipo
completa meu X com seu Y
junta recessivos
expressa meus fenótipos mais desejados pela espécie humana

minha epigenética cotidiana

assentada em absolutamente todas as células do que corre em minhas veias

minha esperança antecipada de uma vida viva sem saber onde e quando vai acabar

e não quero saber, não me contem

quero apenas cumprir minha herança
que agora só pode ser ao teu lado
colando os tijolinhos da sua missão

pois agora essa é a minha missão

cumpramos. e só.

segunda-feira, 25 de janeiro de 2016

CIDADE

a plataforma de minha cartografia íntima,
se faz de atéia e me recolhe em teus buracos tímidos.
abarca meus planos e atrasa minha praia.
em teus trânsitos desumanos me arreia a esperança.

meus lugares, fazeres, quereres e saudades se enraizam em teu solo.
te insisto, mesmo quando impermeável teu asfalto.
afinal acolhe meus subterrâneos infinitos em trilhos, estações e comunicações.

és tão imperfeita e por isso, esnobes, falam de ti.
não te deixam nunca, mas te descuidam sim.
tuas elites confinadas e condominadas te exploram, te secam à luz do dia.
tuas perifas madrugam e te percorrem anônimas e atônitas com o valor de tuas tarifas.

teus meninos se revoltam a cada dia
para te exigir que lhes cumpram os sonhos.
de um caminho menos sem saída, menos abandonado,
aos que transitam amorcegados e desgarrados de tua vida e vora-cidade.

tuas padocas, botecos e PF's,
sempre me nutriram de tão boa gente.
os kilômetros de papo batido me formaram mais que os livros.

tenho tangido forças para te tomar de bicicletas,
para amansar selvagens e teimosos automóveis.
meninas de skate te desafiam e divertem praças e vãos. E vem e vão.

amigos te evadem e outros te tomam de permanente passagem.

para mim tu és mulher.
como sou eu.
uma fusão eu e você. uma grande confusão.
és meu onde. és meu como. és minha gente.

contradita. hoje fica velha e cada dia coisa nova. hoje é você que aniversaria.
preciso dizer de meu orgulho.
pois põe meu coração sempre em barulho.

meus motivos de amor não cabem nesse rascunho.

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procura-se alguém(ns) para:
compartilhamento existencial
em compartimento imobiliário conjunto ou individual

de posição política parecida
para entornar posições sexuais preferidas

sem conta conjunta
para quem sabe juntar os panos de bunda

emparelhar escovas de dentes
dividir intimidades indecentes
quiçá produzir descendentes

trocar líquidos mucosos e epiteliais
salivas e bactérias naturais
emanar afetos matinais

jogar conversa fora
bater papo pra dentro
sorrisos e risos
de piadas e desgraças
mesmo que sem nenhuma graça

para disposição mista de gavetas
com meias furadas e calcinhas velhas

contato íntimo, pessoal e intransferível
de segunda a sexta
e de sexta a domingo
incluindo mercado e feira
dia santo e feriado

com ou sem comunhão de bens
mas sussurrar quente no ouvido 'meu bem'